segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Tirando lições da história para não sermos estúpidos



Tirando lições da história para não sermos estúpidos

DIMAS E. SOARES FERREIRA -
Editoria Opinião -



Devemos abandonar os falsos princípios morais que nos conduziram nos últimos dois séculos. Eles colocaram as características humanas mais desagradáveis na posição das mais elevadas virtudes. Não há nenhum país, nenhum povo que possa vislumbrar a era do tempo livre e da abundância sem um calafrio... Pois fomos educados para o esforço aquisitivo e não para fruir... Se avaliarmos o comportamento e as realizações das classes abastadas de hoje, as perspectivas são deprimentes... Os que dispõem de rendimentos diferenciados, mas não têm deveres ou laços, falharam, em sua maioria, de forma desastrosa no encaminhamento dos problemas que lhes foram apresentados (John Maynard Keynes in As Possibilidades Econômicas de Nossos Netos, 1930)

Desde o advento da Revolução Industrial inúmeros filósofos políticos e economistas têm tentado traduzir o sistema capitalista de produção, seja sob o ponto de vista de seu funcionamento e engrenagens acumulativas, seja sob o ponto de vista se seus problemas e distorções. De Adam Smith a Raúl Prebisch, de John Maynard Keynes a Celso Furtado, todos eles, passando por Karl Marx, acabaram por admitir que se trata de um sistema econômico que levou à produção de bens e riquezas a um nível jamais visto pela humanidade, mas por outro lado, sua organização social caracteriza-se por desigualdades profundas.

Adam Smith, em “A Riqueza das Nações”, propunha que o sistema econômico deveria seguir a mesma lógica da natureza, ou seja, deveria ter suas próprias regras e processos independentemente da vontade humana. Para ele, o sistema capitalista de mercado se autorregula por conta do que chamava de “invisible hand.” Dessa forma, os indivíduos teriam a livre iniciativa para escolher qual o melhor caminho para garantir não só sua sobrevivência, mas também o acúmulo de riquezas, seja por meio do trabalho, da produção ou da renda. O comércio deveria se basear no livre-cambismo e na livre concorrência entre indivíduos, empresas e nações. Os preços dos bens e mercadorias flutuariam livremente de acordo com a lei da oferta e da procura, e toda e qualquer atividade econômica deveria estar livre da intervenção estatal, pois o mercado saberia encontrar seus próprios caminhos. Como dizia François Quesnay, “laissez faire, laissez aller, laissez passer.” Quando se referia ao papel do estado, Adam Smith deixava claro que “não existe arte mais desenvolvida nos governos do que a de aprender com outros governos novas maneiras de arrancar dinheiro do bolso das pessoas.”

Entre o final do século XVIII e 1929 o liberalismo predominou enquanto teoria econômica servindo de base para o desenvolvimento de uma economia de mercado, tornando-se um mantra repetido diariamente pela burguesia ocidental. Karl Marx até que tentou mostrar de forma extremamente didática e científica o quanto esse sistema econômico era não só incapaz de promover o bem estar coletivo e a solidariedade de classes, mas ao contrário, levava à permanente dialética entre capitalistas e proletários culminando num insustentável conflito de classes que só seria resolvido por meio de uma revolução no qual os trabalhadores destruiriam o sistema e implantariam uma sociedade sem classes sociais e, principalmente, sem patrões, através da socialização e da coletivização completa dos meios de produção.

A Crise de 1870, provocada pela superprodução e super-oferta de matérias-primas e pela consequente queda incontrolável dos preços não foi capaz de alertar os detentores do poder econômico e político de que o sistema era falho e aos poucos estava se enchendo de artifícios para permitir o aumento dos níveis de acumulação do capital e de exploração do trabalho. Trustes, holdings, cartéis, oligopólios e mercados de capitais permitiam a reprodução quase infinita do capital sem bases materiais concretas, enquanto o taylorismo e o fordismo permitiam o aumento da mais-valia não só absoluta, mas também relativa, ampliando brutalmente as margens de lucro às custas da crescente exploração da força-de-trabalho. O resultado de todo esse processo não poderia ser outro: Primeira Guerra Mundial (1914-17), Revolução Russa (1917) e, finalmente, o Crash da Bolsa de Nova York (1929) e Segunda Guerra Mundial (1939-45).

Desde o início dos anos 1920, John Maynard Keynes já chamava a atenção para as enormes distorções promovidas pelo sistema capitalista e suas inevitáveis consequências. Ele mostrava em seus estudos e textos que a crescente superprodução do pós-guerra era incompatível com os níveis absurdos de subconsumo. O que inevitavelmente levaria a uma queda nos preços, gerando deflação. Outra distorção para o qual Keynes chamava a atenção estava no elevado nível de especulação financeira, principalmente no mercado de capitais. As bolsas de valores estavam vendendo muito mais ações do que a capacidade de as empresas pagarem dividendos. Com baixos níveis de consumo e queda dos preços dos bens e mercadorias, os lucros eram cada vez menores e a desconfiança na capacidade de pagamento das empresas passou a se difundir rapidamente entre os grandes investidores. Por fim, a ausência quase que total de mecanismos de controle e regulação do mercado deixava os governos de mãos atadas diante de uma crise eminente.

Dito e feito. Em 24 de outubro de 1929 a Bolsa de Nova York simplesmente quebrou e fechou as portas. Em uma semana cerca de 10% dos bancos e empresas norte-americanas tinham ido à bancarrota. Até o final daquele ano 30% da economia dos EUA havia simplesmente evaporado no meio da mais profunda e duradoura crise do sistema capitalista mundial. Empresas, investidores, bancos e governos viram seus capitais desaparecerem como se fossem papéis jogados ao fogo. Só depois de arrombada a porteira é que perceberam que Keynes tinha razão.

Franklin Delano Roosevelt, eleito no início dos anos 1930, assim que assumiu o governo montou um grupo de trabalho chamado “Brain Trust” e lhe confiou a tarefa de criar um plano econômico capaz de tirar o país mais rico do mundo daquele atoleiro em que chafurdava. Economistas da Universidade de Chicago, baseados nas ideias de Keynes, montaram um plano chamado “New Deal” contendo quatro pontos centrais: (1) a socialização do investimento. Isto é, o estado passaria a coordenar as relações entre investimento público e privado de forma a reduzir as incertezas provocadas pelo investimento privado; (2) o controle estatal da política bancária e de crédito de modo a acabar com o rentier, caso contrário, “o poder de opressão acumulativo do capitalista para explorar o valor da escassez do capital” continuaria sem limites; (3) a constituição de um sistema fiscal capaz de redistribuir renda entre ricos e pobres, fazendo com que a roda do consumo voltasse a girar. Assim, expansão da renda significaria aumento do consumo, da produção e do emprego e, consequentemente, mais renda, maior arrecadação, mais investimentos públicos estabelecendo um ciclo econômico virtuoso; (4) distribuição equitativa dos desequilíbrios na balança de pagamentos entre deficitários e superavitários, impedindo assim que a competição desenfreada levasse ao “empobrecimento do vizinho”, como dizia Keynes.

Entre 1933 e 1945, quando acabou a Segunda Guerra Mundial, os EUA viram a maior crise econômica que já haviam vivido desaparecer e dar lugar a um longo período de crescimento e prosperidade econômica que ficou conhecido como “the golden years” graças às recomendações de política econômica feitas por Keynes. Os países da Europa Ocidental também adotaram os princípios keinesianos e após o fim da Guerra instituíram um modelo econômico-social conhecido por Welfare State, no qual o sistema capitalista foi preservado, mas conjugado a uma série de políticas públicas no qual o bem-estar social passou a ser prioridade. Dessa forma, educação e saúde pública, universal e de boa qualidade e para todos, acesso à habitação digna, saneamento básico, transporte coletivo, lazer e cultura entre outros serviços públicos passaram a serem pré-requisitos básicos para qualquer sociedade livre e com um mínimo de justiça social. Já por aqui, na América Latina, países como Brasil, Argentina e México também adotaram políticas intervencionistas focadas no desenvolvimentismo e assim puderam alavancar de forma definitiva um processo autóctone de desenvolvimento econômico-industrial permitindo-lhes ingressar definitivamente nos circuitos da economia mundial e fazer com que uma parcela significativa de sua população alçasse níveis mínimos de consumo e bem-estar social, ultrapassando assim a fronteira do atraso colonial que lhes foi imposto durante séculos de dominação.

Mas, como defendeu Kondratieff em sua teoria dos Ciclos Longos, aquele período de 30 anos de prosperidade iniciado no pós-guerra se encerrou a partir do início dos anos 1970 quando uma nova crise se abateu sobre o sistema capitalista mundial. Agora provocada pelos Choques do Petróleo em 1973 e 1978. Como afirma Jeffry Frieden em seu Capitalismo Global – História econômica e política do século XX, naquele momento “as tensões acumuladas no período do pós-guerra atingiram o ápice.” Houve uma desaceleração do crescimento econômico no Primeiro Mundo, as taxas de desemprego mais que dobraram ou triplicaram, a inflação tornou-se um problema cada vez mais central e o preço do barril de petróleo aumentou mais de dez vezes. Ao mesmo tempo, o mercado financeiro tornou-se global e atingiu cifras astronômicas, o que fez com que as moedas flutuassem muito rapidamente. Além disso, os países subdesenvolvidos se endividaram de forma insustentável provocando um risco cada vez maior de default junto aos grandes credores internacionais.

A saída encontrada pelos EUA foi a ruptura unilateral com o padrão monetário internacional Ouro-Dólar, até então vigente, impondo ao mundo um novo padrão agora simplesmente lastreado no próprio dólar e nada mais. Os norte-americanos estavam, na verdade, dizendo ao mundo que sua moeda deveria ser aceita incondicionalmente, pois seu enorme poderio bélico-militar e industrial garantiria o seu lastro. Foram anos difíceis para a economia mundial, mas que ao mesmo tempo viram nascer a Revolução Tecno-científica baseada nas novas tecnologias da informação e comunicação, principalmente.

A partir do início dos anos 1980 um novo conjunto de ideias e princípios econômicos começou a se difundir pelo mundo. Políticas monetaristas, privatistas e desregulamentadoras passaram a ser defendidas em contraponto às velhas e bem sucedidas teses keynesianas. O estado, salvador da pátria nos duros anos 1930/40 e provedor do bem-estar social durante os Anos Dourados, agora passava a ser satanizado e acusado de ser o responsável pelos elevados níveis de endividamento e de ser incapaz de continuar promovendo o crescimento econômico. Capitaneados por Milton Friedman, os “neoliberais” tornaram-se os melhores conselheiros de política econômica de governos como os de Margareth Thatcher na Inglaterra e Ronald Reagan nos EUA. “Desregulamentação e privatização eram causa e consequência das mudanças tecnológicas e da integração econômica global. (...) A ortodoxia de mercado que varreu o globo pode ter parecido um furacão ideológico, mas sua orientação teve origens políticas e econômicas tangíveis. (...) A vitória do monetarismo sobre o keynesianismo é um exemplo de como a ideologia pode mascarar motivações mais pragmáticas” (Frieden, 2006: 424-5).

O fim da Guerra Fria e a consolidação do processo de globalização econômica criaram a ilusão de vitória definitiva do liberalismo mundo afora e de um mundo cada vez mais americanizado. Consumo desenfreado, expansão do crédito, expansão do mercado de sub-prime e derivativos, monetarismo, privatizações, profunda desregulamentação dos mercados, bolhas especulativas nas grandes bolsas de valores foram ingredientes que passaram a fomentar uma nova crise econômica internacional a partir do final da primeira década dos anos 2000. Em 2008 os EUA foram sacudidos por uma sequência de insolvências de grandes bancos e instituições nas áreas do financiamento imobiliário e seguro, com reflexos imediatos sobre o mercado internacional, principalmente na Europa e Japão. Ficava claro que o abandono da regulamentação estatal dos mercados deixou aberto o caminho para a cobiça e a ganância desmedidas dos grandes investidores e das grandes corporações mundiais. Muito bem mostrado pelo filme de Charles Ferguson, Inside Job que mostrou como os grandes agentes econômicos dos EUA e Europa permitiram que países inteiros fossem à bancarrota para saciar sua sede por lucros fáceis.

No Brasil, um Presidente operário e semianalfabeto, de forma magistral, adotou uma série de políticas intervencionistas e redistributivas que acabaram por aquecer o mercado interno a ponto de o país ver passar ao largo uma das mais graves crises econômicas mundiais. Quando afirmou que a crise seria sentida como uma simples “marolinha” e não como um tsunami, a direita reacionária e conservadora imediatamente começou a esbravejar junto aos seus aliados midiáticos tentando impor uma pauta econômica baseada em políticas restritivas, na esperança de verem suas ideias neoliberais servindo de norte novamente. Felizmente predominou a tese keynesiana e como uma espécie de New Deal tupiniquim uma série de ações e programas, como a valorização do salário mínimo, Bolsa Família, Minha Casa-Minha Vida, PAC, entre outros, permitiram ao mercado manter-se aquecido sem ser contagiado de morte pela crise que jogava no fundo do poço as grandes economias capitalistas mundiais.

Mas, voltemos aos rumos da economia mundial. Provavelmente daqui a algumas décadas quando os historiadores forem escrever sobre os nossos dias dirão que 2012 foi o ano em que prevaleceu a estupidez político-econômica entre os líderes das nações mais ricas do mundo que insistiram em cometer os mesmos erros e equívocos monetaristas de sempre. Ao invés de promoverem a regulamentação do mercado financeiro, de levarem a cabo políticas intervencionistas e expansionistas visando a recuperação do crédito seguro, do consumo, da renda e do emprego, preferiram manter “um aperto equivocado na política monetária e fiscal” arrastando para baixo a economia de seus países e fazendo prolongar ainda mais a depressão iniciada em 2008, como afirma o editor de economia do The Economist, Zanny Minton Beddoes.

Economistas e políticos deveriam se dedicar a conhecer mais a fundo os processos históricos. Deveriam aprender com os erros do passado e fazer as escolhas certas. É claro que por serem de carne e osso como todos nós estão sujeitos ao erro todo o tempo, mas repetir o mesmo erro é burrice. Os países emergentes estão mostrando o caminho. Previsões feitas pela Economist Intelligence Unit mostram que os BRICs deverão continuar crescendo a taxas muito maiores que os países ricos [Brasil (3,5%), Rússia (3,7%), índia (7,8%) e China (8,2%), EUA (1,3%), Zona do Euro (-0,3%) e Japão (2,2%)]. Portanto, como disse Zanny Minton, “o quão sombrio 2012 será vai depender de até onde, e por quanto tempo, os políticos vão insistir com suas políticas equivocadas.”

NOTA DA REDAÇÃO: DIMAS E. SOARES FERREIRA é doutorando em Ciência Política pela UFMG e Mestre em Ciências Sociais pela PUCMinas (Gestão de Cidades). Diretor do Sinpro Minas; Coordenador de Comunicação do Instituto 1o de Maio; Professor da Epcar e Unipac; Atua como revisor do eJournal of eDemocracy and Open Government (www.jedem.org). Vencedor do XI Prêmio Tesouro Nacional em 2006. Articulista político do site barbacenaonline desde 2001.







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